sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Entrudo 2010



Anunciando a primavera tornam-se os CARETOS protagonistas do novo ciclo, de nova partida para o eterno retorno, pondo-se a agir como agentes fecundantes.

São todos machos e encarnam o demónio. Juntam-se em grupo, num grupo onde ninguém manda e onde cada um faz o que lhe apetece.

CARETOS ... com a cara tapada por uma máscara medonha, vestidos de sais e com fitinhas coloridas ornamentados, a gritar e a pular, atrás das mulheres, com predilecção pelas novas e solteiras.

Quando as apanham... (aí se as apanham!!!)
Morrem de medo as mulheres.

Caretos da Lagoa 2010

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Rebentos da terra, ou frutos do mar?

Rebentos da terra, ou frutos do mar?

Eventualmente, um ensaio sobre as origens da tradição dos mascarados no lugar de Lagoa, onde aí se assumem como

CARETOS da LAGOA

“…é pelo rosto que o homem comunica com o homem, é dissimulando ou transformando o seu rosto que ele interrompe a comunicação ou que ele a encaminha para outras direcções”

C. Levi-Strauss

No lugar da Lagoa, aldeia vizinha e contígua à sede do Concelho, a Vila de Mira, desde tempos esquecidos se festeja o Carnaval através do recurso à máscara, que aqui se assume como Campina. Não fosse a mesma parte de um todo repleto se simbolismo, possivelmente estaríamos em presença de uma (mais uma) manifestação alegórica própria do período que antecede a quaresma. Mas de facto, e muito pelo contrário, a Campina isolada, privada do seu grupo, perde a sua magia e é fortemente cerceada na da sua verdadeira essência. É no grupo que esta máscara se assume verdadeiramente, é no actuar dos mascarados em grupo que a força do simbólico surge, abandonando a sua existência enquanto objecto e assumindo a força da tradição no ritual dos eternos “Caretos da Lagoa”.

Não pretendendo aqui fazer uma qualquer teoria acerca dos Caretos da Lagoa, nem analisar sob qualquer perspectiva sócio-cultural o momento presente ou passado da tradição, procuraremos somente, eufemizando no somente, uma perspectiva diversa acerca das origens de tão peculiar forma de estar, que representam os Caretos da Lagoa.

A documentação escrita sobre os mesmos, que de abundante muito pouco tem, reflecte quase exclusivamente a perspectiva de figuras particulares que durante um qualquer momento da sua existência terrena se atreveram a remeter à eternidade pela escrita, a sua visão sobre os mascarados na Lagoa. Podendo desde já afirmar que são opiniões de entidades externas ao ritual, assumindo se como externos relativamente à própria comunidade local. Resultando na absorção da máscara “enquanto um conteúdo que não se dá a conhecer de imediato, porque nem tudo o que ela representa é passível de ser falado, e mesmo quando à falado, algo fica escondido…” Bem sabemos que por detrás de qualquer comportamento social, de qualquer obra de arte ou manifestação cultural existe “um pensamento que não sendo da ordem do real nem do imaginário, será talvez da ordem do simbólico.

Simbólico pois o significado da máscara ultrapassa a própria máscara enquanto objecto. Actuando a Campina como máscara que é, como o veículo para a manifestação de significados culturais mais antigos. Não poderemos observar a Campina como um objecto individualizável relativamente ao seu todo, mas sim como a expressão cultural, e portanto simbólica, do pensamento de um povo que se actualiza no acto do mascaramento.

Assumindo como verdadeiro este campo de significação em que se insere a máscara, que pelo facto de ser da ordem do simbólico é também complexo, tendo sido objecto de reflexão por parte de ilustres autores, tais como Benjamim Pereira, Jorge Dias, Sebastião Peçanha não esquecendo o Abade de Baçal, a própria razão e fundamento de uma qualquer teorização sobre destes fenómenos culturais no lugar da Lagoa , será ela também posicionada sobre uma base fortemente assente nesse simbolismo, versando se seguida sobre duas possíveis teorias sobre as origens do fenómeno.

Posicionando-se uma sob uma perspectiva relativa aos rituais da fertilidade da mãe terra, e suas derivantes. E outra sob a influência do mar e quaisquer relações daí provenientes, nomeadamente um eventual contacto, pela via marítima, com outros povos do norte europeu que aqui tenha acedido.

Mas afinal o que é isto de ser “careto”?

Pelos quatorze, quinze dezasseis anos, naquela fase da juventude em que já queremos ser homens, daqueles com “H” grande barba rija e pêlo na venta, e não ser homem pelo simples designativo do género, começam os jovens, no lugar de Lagoa, a preparar aquela que será a sua máscara de Careto, a sua campina.

Com ela cobrindo a sua fronte, e com todo o simbolismo que este ritual lhes impõe, os jovens da Lagoa literalmente se transformam. Com a máscara posta, a campina eleva lhes o espírito ao ponto se julgarem por vezes inimputáveis ou a tudo imunes, autênticos representantes de um outro grupo que os Caretos, um grupo de seres imortais, que senão atingem o lugar de deuses, certamente chegarão a diabos.

Fortes cargas etílicas auxiliam este processo “kafkiano” em que o homem vira bicho, em que a razão, frequentemente eclipsada pelo emoção, dá lugar a um outro estado, um estado de alerta constante, em que dor não se sente e em que corpo é abrigo de um sem numero de mazelas, que não doem e que nem vêem.

Ser careto é trazer então nos pés descalços uns sapatos de liberdade feitos. Assumindo se como Careto o jovem homem é agora um ser a que tudo é permitido, pelo menos eles assim julgam, não dizendo certamente o mesmo aqueles que na pele sofrem o poder do Careto, e toda a simbologia que o persegue.

A elas, jovens damas, objecto de um desejo carnal tantas vezes contido, o careto destina os seus melhores saltos e tropelias, embrenhando se nas ruas e festas de moças povoadas, tal como ar frio em casa quente. Incómodos, desmedidos, sem regras e obsessivos, mas sempre divertidos, os Caretos perseguem jovens moças e meninas, e ocasionalmente também algum canídeo que não contente com o forte alarido por estes seres cornudos provocado, decide latir… coitado.

Hoje os tempos são outros, o relacionamento entre os jovens de sexos opostos, progressivamente evoluindo com o passar dos anos, já não é mesmo que nas décadas idas dos passados séculos. Hoje o contacto físico é já banalizado, décadas de evolução da moral e dos costumes assim o permitem. Mas certamente não o era noutros tempos. E se hoje a máscara abriga o rosto daquele mais ousado, e o grupo protege as costas daquele menos controlado, noutros tempos garantiria uma bem maior satisfação, a de actuar sem ser conhecido… “Quem fez isto? Quem mexeu naquilo? Ninguém sabe… foi um careto.

A actualidade, apesar de um rol de inovações tecnológicas de uma era já pós digital, ainda permite que o careto desfrute destes pequenos belos deleites de outros tempos, apesar de estarmos em pleno século XXI ainda é possível ser se Careto pelas terras Gândarezas do lugar de Lagoa.

O peso da tradição talvez se sinta até mais hoje que no passado, pois se outrora o fenómeno surgia quase inconscientemente naquela fase de afirmação e durante os festejos carnavalescos, hoje para além destes jovens em crescimento, juntam-se ao grupo Caretos de outros tempos, tenros meninos de ar cuidado, que juntos procuram dar sentido a este ser ancestral que nas terras da Gândara pelo Lugar de lagoa dá pelo nome de Caretos da lagoa.

Hoje, ser careto na Lagoa é carregar o peso de uma tradição. É actuar nas vestes garridas entre fitas pintadas e sentir se um entre vários, qual mosqueteiro em que um por todos e todos por um se relacionam durante o período carnavalesco. É repetir aquilo que outros antepassados repetiram, o berrar o saltar o usar e abusar, é querer fazer tudo… ou quase.

Ser Careto é ser da lagoa, assumir se parte de um todo, e partir o todo ás partes.

Jornadas Culturais da Gândara, 2000i9

João Luís Pinho

Indumentaria - O branco puro e o vermelho pecado...

Saia vermelha e camisa branca. Sob a saia um avental também ele branco, por vezes ornamentado com algumas tiras coloridas.
A tiracolo duas faixas onde surgem pendurados chocalhos e campainhas.
Sobre a cabeça a "campina" (nome dado à máscara), onde sobressaem os enormes chifres (os mais vulgares de carneiro ou cabra).
Ainda na campina uma enorme arcada, pintada a gosto do careto, sempre de cores vivas, e onde surgem molhos de fitas multicolores...

Quanto mais feias, mais bonitas!


Os Caretos...


Caretos da Lagoa

Tradição ancestral do lugar de Lagoa, freguesia e concelho de Mira, que pela época do entrudo saí às ruas da localidade, espalhando caos e diversão, numa senda por jovens moças solteiras, na ânsia de libertar a sua energia e virilidade.